terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Determinismo

(O texto abaixo foi publicado originalmente no Blog do PH. Mas achamos importante reproduzi-lo aqui porque o termo é citado em um dos vídeos da Bentinha)

“À noite e aos domingos ainda mais recrudescia o seu azedume, quando ele, recolhendo-se fatigado do serviço, deixava-se ficar estendido numa preguiçosa, junto à mesa da sala de jantar, e ouvia, a contragosto, o grosseiro rumor que vinha da estalagem numa exalação forte de animais cansados. Não podia chegar à janela sem receber no rosto aquele bafo, quente e sensual, que o embebedava com o seu fartum de bestas no coito”.

“Também cantou. E cada verso que vinha da sua boca de mulata era um arrulhar choroso de pomba no cio. E o Firmo, bêbedo de volúpia, enroscava-se todo ao violão; e o violão e ele gemiam com o mesmo gosto, grunhindo, ganindo, miando, com todas as vozes de bichos sensuais, num desespero de luxúria que penetrava até ao tutano com línguas finíssimas de cobra”.

“E o mugido lúgubre daquela pobre criatura abandonada antepunha à rude agitação do cortiço uma nota lamentosa e tristonha de uma vaca chamando ao longe, perdida ao cair da noite num lugar desconhecido e agreste”.

“Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras que mergulham os pés vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de existir, a triunfante satisfação de respirar sobre a terra”.

“Mas desde que Jerônimo propendeu para ela, fascinando-a com a sua tranquila seriedade de animal bom e forte, o sangue da mestiça reclamou os seus direitos de apuração, e Rita preferiu no europeu o macho de raça superior”.

Esses são trechos de “O Cortiço”, de Aluísio Azevedo, obra que estamos analisando durante o mês de janeiro.

Você percebe algo em comum nesses trechos? Nas partes destacadas em itálico?

Há uma “animalização” dos personagens. Os habitantes do cortiço exalam o cheiro de animais. Rita Baiana arrulha como uma pomba. Firmo geme, grunhe, gane, mia junto com seu instrumento. Uma mulher muge. Os movimentos, os cheiros, os sentidos, as cores, os sons, tudo parece se referir a animais, não a pessoas.

Essa animalização dos personagens é uma das características do Naturalismo literário. Fruto da segunda metade do século XIX, o Naturalismo tinha como um de seus atributos uma visão determinista. Isso quer dizer que o Naturalismo considerava o homem um ser sujeito a seus instintos, ao meio onde vivia e à hereditariedade. Como um animal. Os autores do Naturalismo partiam do princípio de que as atitudes humanas podiam ser explicadas pela ciência, de forma extremamente objetiva.

Essa visão determinista tem origem no Determinismo: uma teoria filosófica que afirma a existência de três fatores determinantes no comportamento humano: o meio-ambiente, a raça e o momento histórico. Tal teoria não é criação de um único filósofo, mas um de seus expoentes é o francês Hippolyte Taine (1828 – 1893).

Dessa forma, pensando n’O Cortiço, as atitudes de João Romão, Jerônimo e demais personagens do romance seriam ditadas pelo meio. Todos agiriam por instinto, a partir de características herdadas pelo sangue, hereditárias. É quase uma falta de livre-arbítrio: faz-se o que o meio manda, na base do instinto, praticamente sem alternativa a não ser obedecer...

É por isso que algumas análises dessa obra apontam o próprio cortiço como um personagem da história, já que, mais do que o local onde se desenrolam as ações, ele seria o ambiente que determina essas ações.

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